Kamala e Trump trocam ataques sobre aborto, economia e imigração em debate marcado por provocações e desmentidos

​​​​​​​Kamala Harris colocou adversário na defensiva com tom mais assertivo e agressivo. Trump insistiu na narrativa anti-imigração e foi corrigido diversas vezes pelos apresentadores.

Kamala e Trump trocam ataques sobre aborto, economia e imigração em debate marcado por provocações e desmentidos
Por diferença de alturas, púlpito de Kamala Harris é menor que o de Trump. Candidatos fizeram debate em 10 de setembro de 2024. — Foto: REUTERS/Brian Snyder

O primeiro debate entre Donald Trump e Kamala Harris, na noite desta terça-feira (10), foi marcado por trocas de acusações em temas centrais da corrida à Casa Branca e pelo tom mais assertivo de Harris, que empurrou o adversário para a defensiva e conseguiu se impor até em temas mais confortáveis para Trump, como imigração e economia.

Segundo levantamento do jornal "The New York Times", Trump passou a maior parte do debate, de pouco mais de 90 minutos, se defendendo de ataques da adversária, ao contrário do enfrentamento que teve em junho contra o presidente Joe Biden. Na ocasião, o republicano foi quem mais fez ataques.

Donald Trump, que começou o debate repetindo o tom mais calmo que adotou no cara a cara contra Biden, também foi optando por falas mais agressivas ao longo do enfrentamento em reação a provocações constantes da adversária.

Ele tentou atrelar a democrata a Joe Biden, tentando tirar proveito do mau desempenho do presidente. "Ela é Biden. Ela está querendo se afastar de Biden, mas ela é Biden", disse.

A atual vice-presidente dos EUA disse ter passado os quatro últimos anos "limpando a bagunça de Donald Trump", acusou o ex-presidente de deixar o governo com altas taxas de desemprego e com uma política externa desastrosa e criticou sua gestão da pandemia.

Foi especialmente enfática e cresceu no debate ao ser questionada sobre aborto. Disse que seu adversário vai liderar um "plano nacional para banir o direito ao aborto", o que Trump negou.

O ex-presidente acusou a adversária de "querer fazer operações transgênero pelo país", a chamou de "marxista" e disse que os EUA se tornarão "uma Venezuela com anabolizante" caso a Harris vença. Também a acusou de ter um plano para "confiscar as armas de todo mundo", o que a democrata não só negou como retrucou dizendo que ela própria e seu candidato a vice, Tim Walz, têm armas.

"Kamala e eu somos portadores de armas. Nós não vamos retirar seus direitos protegidos pela Segunda Emenda (da Constituição). Só vamos impedir que seus filhos sejam baleados na escola", disse Walz, após o debate.

Após o debate, sua equipe se queixou das correções rede de TV ABC, que realizou o debate e fez checagens em tempo real. O próprio Donald Trump afirmou ter achado o mesmo e disse que o debate "foi um 3 contra 1".

O enfrentamento foi também o primeiro encontro entre o republicano e a democrata, que nunca haviam ficado frente em frente ao vivo. Antes mesmo do início do debate, quando entraram no estúdio, Kamala Harris adotou uma postura mais assertiva. Caminhou até o púlpito do candidato republicano, estendeu a mão e disse: "bom te ver".

Para Kamala Harris, o debate foi a primeira e, talvez, única oportunidade de se apresentar para o público geral — uma pesquisa do "The New York Times" afirmou que 28% dos eleitores não sabem bem quem ela é — e de tentar fazer chegar ao eleitorado de Trump o discurso de que seu rival, um bilionário, só governará para si mesmo, enquanto ela, uma ex-procuradora-geral, seguirá pensando no povo.

Ao responder à primeira pergunta, sobre economia, ela disse que "vim da classe média e seguirei governando para a classe média", enquanto Trump "governará para ele mesmo". "Meus valores não mudaram", afirmou a democrata, que se esquivou ao ser questionada sobre se a economia do país estava melhor agora do que há quatro anos. Ela disse apenas que reduzirá taxas para a compra de imóveis.

Como esperado, Donald Trump evitou ataques pessoais a Kamala Harris, mas foi perguntado pelos apresentadores por que questionou a identidade racial da adversária durante um comício em julho.

"Eu não ligo o que ela é, não podia me importa menos. Eu disse aquilo porque li que ela não disse era branca", disse o republicano.

Harris, que também tem evitado explorar demais as questões de raça e gênero, aproveitou o momento para evocar o passado "racista" de Trump. "É uma tragédia que tenhamos alguém que queira ser presidente e que tenta usar a raça para dividir o povo americano. Não queremos essa abordagem, especialmente sobre raça", disse.

Quando os temas de Israel e da guerra em Gaza foram colocados no debate, as atenções voltaram para Kamala Harris — seus comícios têm sido alvo de protestos pró-Palestina por conta do apoio que o governo de Joe Biden tem dado a Israel desde o início do conflito.

Em uma fala repetida e sem riscos, a democrata disse apoiar o direito de defesa de Israel, mas achar que "vidas inocentes demais foram perdidas em Gaza", e, por isso, defende o acordo de cessar-fogo e a solução de dois Estados.

Ele também acusou Harris de "odiar Israel e a população árabe".

Aproveitando o gancho aberto pelo próprio adversário ao mencionar Putin, a democrata disse que "é sabido que ele admira ditadores" e disse que, se a guerra tivesse ocorrido na gestão de Trump, o presidente russo estaria "sentando em Kiev olhado para a Europa" e teria "almoçando" o republicano.

Sobre o conflito na Ucrânia, Trump disse que tem "um bom relacionamento" tanto com Putin quanto com presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky e prometeu que dará um fim à guerra caso seja eleito. Já Biden, afirmou o republicano, não tem boa relação com nenhum dos dois.

 

Harris defendeu a atuação da gestão de Biden na guerra da Ucrânia. "Se não fosse ele, Putin estaria sentado na Europa".

Antes do debate, especialistas estimaram que o cara a cara deveria ocorrer sem grandes riscos de ambos os lados, por conta da disputa apertada entre os dois — que aparecem em empate técnico nas últimas pesquisas de intenção de voto (leia mais abaixo).

Kamala: isolada, em treinamento

Antes do debate, o vice-presidente democrata passou o fim de semana reclusa em intenso treinamento com especialistas em debates. A ideia era prepará-la para as regras rígidas do debate —os candidatos não puderam nem levar anotações nem se comunicar com suas equipes — e para um desempenho bem mais confiante e assertivo que o de Joe Biden, em junho.

Trump: sem treinamento

Já Trump, experiente em debates e em oratória, disse que não se preparou para o enfrentamento e escolheu passar os últimos dias fazendo campanha nos chamados estados-chave, nos quais o apoio para um partido ou outro variam de acordo com as eleições.

Esse foi o principal motivo, inclusive, para que o local do debate fosse definido: o enfrentamento ocorrerá na Filadélfia, cidade na Pensilvânia, um dos estados onde o voto ainda não está definido. Nas duas últimas eleições, o partido apoiado pela maioria dos eleitores de lá foi o vencedor.